AMAR A TERRA COMO QUEM OUVE A SUA VOZ
Refletir sobre a cultura gaúcha é inevitavelmente refletir sobre o amor à terra. Enquanto as tradições construídas historicamente no nosso território nos apresentam quase sempre uma voz única, as tradições latino-americanas nos levam à uma relação íntima com a terra em outras perspectivas.
Nossa pampa - formada por paisagens, mas também por nossa gente - que tanto declara seu amor à terra a ameaça por usos predatórios deste território. A vegetação nativa é atacada como se ataca um inimigo, e, somente em pouco mais de trinta anos perdemos 29,5% da flora que é nossa.
A diversidade faz parte da nossa essência. Seja ela cultural, étnica, na fauna e na nossa flora pampeana. Somos outras vozes que compõem esta pampa gaúcha, vozes muitas vezes invisibilizadas.
Como elemento simbólico de um olhar contemporâneo para nossa paisagem cultural partimos da colheita da marcela, tradição que se perpetua em poética mística principalmente entre as mulheres - há muitos séculos atrás consideradas bruxas por se relacionarem com as plantas.
Estes olhares contemporâneos sobre as relações com o território, por sua vez, nos apresentam um olhar além quase como a sensação de se deter no horizonte verde dos campos da nossa paisagem cultural. Reflexões sobre o ambiente e as relações humanas ao longo tempo, diferentes das tradicionais formas de representação da pampa sul-rio-grandense e dos discursos hegemônicos que sustentaram uma forma unitária de entender esse espaço e seus povos.
Estamos em um constante movimento como o vento minuano. É tempo também de ouvir as vozes que eram silenciadas e de pensar a terra para além da objetificação. Mulheres foram constantemente objetificadas na cultura desta pampa rio-grandense, assim como negros, indígenas e todas as pessoas que não fazem parte do padrão que se convencionou chamar gaúcha e gaúcho. Somos gauches em nossa própria terra chamada pampa.
Preparem o solo, a macela se prepara para a colheita.
INDICAÇÃO DOS EDITORES
* Ézio Sauco
1 - O direito à literatura, de Antonio Cândido.
Você encontra neste link.
2- A ideologia do Gauchismo, de Tau Golin.
Clássico da tradição crítica no Rio Grande do Sul, neste livro encontramos análises de discursos, documentos e produções artísticas orientadas pelas ideias do Movimento Tradicionalista Gaúcho. Aqui o autor desvela o emaranhado de concepções por trás desses discursos e como estão intimamente ligados à tradição de dominação econômica e social das elites sul-riograndenses.
Você encontra neste link.
3- Assim na terra, de Luiz Sérgio Metz.
Poético e experimental, talvez seja o ponto luminoso de uma prosa atenta às possibilidades da linguagem ao mesmo tempo que está intimamente ligada ao território.
4- Poema a Nau Diacrônica, de Ernesto Wayne.
Poeta bageense, Wayne possui em sua obra uma recorrência de temas nostálgicos ligados à sua juventude em Bagé e a locais e ruas da cidade. Nesse poema, no entanto, Wayne tematiza a conquista espacial relacionando o acontecimento com imagens da tradição cristã, como o gênesis e o Apocalipse.
Você pode ler o poema neste link.
* Giana Guterres
5- Carta de Bagé
A carta de Bagé é um documento de 2007 escrito durante o Seminário Semana do Patrimônio - Cultura e Memória na Fronteira. Foi um marco importante para a reflexão sobre as paisagens culturais no território brasileiro, sendo citada no site do IPHAN como referência.
6- Gauchismo Líquido, de Clarissa Ferreira.
Livro da musicista e etnomusicóloga bageense Clarissa Ferreira. Nos traz outros olhares e reflexões contemporâneas sobre a cultura gaúcha, colocando a perspectiva das mulheres e outros grupos na narrativa da cultura rio-grandense.
7 - Pago Revisitado - Unimúsica 2019
“O espetáculo Pago Revisitado reflete sobre a identidade gaúcha, questionando por quem e para quem foram construídos os seus símbolos. Através da música, celebram-se as múltiplas formas de pertencimento e regionalidade, ao se representar no palco as tradições açoriana, afro-gaúcha e indígena. O show possui curadoria da violinista Clarissa Ferreira e do flautista Texo Cabral”.
Destaca-se o trabalho de Clarissa, uma mulher fazendo curadoria de uma cultura musical negada às mulheres ao longo da história do nosso estado e ainda invisibilizada em eventos como o Festival da Barranca que não permite a participação das artistas mulheres
Você assiste neste link.
8- Cantos do Sul da Terra
Programa diário, de segunda à sexta às 13h, na FM Cultura e disponibilizado em plataformas de streaming. Com apresentação e curadoria de Demétrio Xavier há a apresentação de eixos temáticos com a indicação de músicas e inúmeras referências que colocam a música gaúcha no panorama da América Latina.
9- Humano: uma viagem pela vida, de Yann Arthus-Bertrand
É um documentário disponível no Youtube, onde narrativa e fotografia colocam a pessoa humana como parte integrante e indissociável do seu território a partir de relatos filmados em muitos lugares do mundo. As filmagens de paisagens que intercalam a narrativa mostram a diversidade que compõe a geografia da Terra.
Você assiste o documentário neste link.
10 - Ramilonga - A estética do frio, de Vitor Ramil
O álbum apresenta outras sonoridades além da hegemonicamente relacionada com a cultura gaúcha ao abordar as paisagens culturais do estado. O território está presente em toda a composição poética do álbum.
O conceito de “estética do frio” foi idealizado por Vitor Ramil a partir do relato de sua experiência como artista no Rio Grande do Sul, no clima frio muitas vezes invisibilizado na cultura do Brasil, conhecido como um país tropical.
Você lê o livro neste link.
* Samanta Bergmam
11- Morangos Mofados, de Caio Fernando Abreu.
Dividida em três partes, sendo elas: 1. O Morango; 2. O Mofo e 3. Morangos Mofados, o autor consegue falar sobre a beleza e a acidez que é viver. Abreu foi um escritor riograndense e no equilíbrio de uma escrita que se mostra singela, ao mesmo passo que crua, conseguiu ser um dos maiores nomes da literatura e um dos marcos na luta LGBTQIA+, já que era um homem assumidamente gay. Morangos Mofados é uma leitura para rir, chorar, se apaixonar… e para ser digerida aos poucos, assim como é a vida (e a poética que mora nela).
12- Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus.
Uma obra profunda e muito reflexiva, Quarto de Despejo foi a escrita de maior sucesso de uma das escritoras mais brilhantes do Brasil: cada página faz o leitor (re)pensar como se relaciona com a vida, com a sociedade e com o território, e faz escancarar o quando a desigualdade é um abismo que deve ser combatido com todas as armas possíveis. Aos que se interessarem pela leitura, indico uma busca mais aprofundada sobre a autora e a forma poética como ela usava figuras de linguagem, especialmente para traduzir tudo o que sentia em seu cotidiano.
13 - AmarElo Prisma: Paz/Corpo, de Emicida
AmarElo Prisma é um dos projetos da produtora Lab Fantasma, que inclusive nasceu junto com o álbum de mesmo nome (AmarElo), protagonizado pelo cantor e compositor Emicida, o qual também indico fortemente que conheçam! O projeto conta com quatro episódios que retratam assuntos diferentes, mas que ao final se interligam e refletem sobre inúmeras questões como qualidade de vida, território, políticas públicas e segurança alimentar, além de contar com a presença de convidados incríveis na discussão dessas pautas.
Você assiste neste link.
14 - Humano: uma viagem pela vida, de Yann Arthus-Bertrand
O documentário é uma produção independente e conta com o fomento de duas fundações que realizam projetos sociais: nele, uma série de entrevistas ocorrem ao redor do mundo, mostrando a realidade cotidiana de várias pessoas, seus pensamentos, sentimentos e reflexões sobre passado, presente e futuro. A produção tem uma fotografia extraordinária que, desde o primeiro segundo até o último, nos prende a atenção e nos liberta emoções.
Você assiste neste link.
15 - A Rua dos Cataventos, de Mário Quintana.
Uma das obras mais conhecidas do poeta Mário Quintana, e que carrega consigo toda a subjetividade e profundeza que é a relação entre o mundo externo e o mundo interno, como se fossem um só, ainda que sejam diferentes entre si. Outro ponto importante, e que não poderia deixar de mencionar, é que Quintana é gaúcho e passou boa parte de sua vida em solo riograndense, o que é muito marcado em sua escrita através da descrição das paisagens, dos animais e das estações do ano aqui no sul do país, o que pode ser uma enorme fonte de inspiração.